Existe carro com preço justo no Brasil?

O brasileiro é, e sempre foi, apaixonado por carros. Está no seu sangue o amor pelo automobilismo, desde a torcida pelas competições – como a Fórmula 1 de Ayrton Senna – como o prazer de pilotar – sim, para nós é pilotar e não dirigir – um carro confortável ou um modelo mais esportivo. Isso tudo torna o consumidor alvo fácil, que paga um preço alto por isso.

Brasil: um dos maiores produtores de carros do mundo e também um grande consumidor

O Brasil é, desde há muito tempo, um dos países com maior produção de veículos do mundo, tendo alcançado a quinta colocação. Isso em teoria deveria ser um fator bom para o consumidor nacional, já que seu produto deveria ser mais barato do que se fosse feito fora do país. Mas não é bem assim que funciona os preços de carros no Brasil.

Um dos fatores para que isso não aconteça é a mão de obra mais cara, cerca de 40% em relação a outros países, e a matéria prima também já saturada de impostos. Isso tudo, mais os impostos praticados sobre as montadores e depois sobre o consumidor final, acabam encarecendo a mercadoria. Isso vale pra veículos e outros produtos nacionais.

Mesmo assim, o Brasil está em quarto lugar onde a população mais compra carros no mundo. Além da enorme paixão por carros que o brasileiro carrega consigo, está o fato da necessidade quase absoluta de ter um veículo, já que as condições de transporte público são bastante precárias no país.

Aliado a isso está o fato de que o consumidor tem fácil acesso a crédito bancário – o que vai praticamente dobrar o valor final do veículo – e acaba preferindo contrair uma enorme dívida para ter a mobilidade que precisa para, por exemplo, poder trabalhar. Ou seja, ele trabalha para pagar um carro para poder trabalhar…

A questão do preço do dólar é uma ilusão

Um dos aspectos onde ocorrem as maiores discussões em relação aos altos preços de carros praticados no Brasil é a questão do preço do dólar. Na verdade, isso é uma ilusão, pois embora o dólar por ser uma moeda mundialmente forte tenha influência sobre a economia global, o fato concreto é que recebemos em reais e pagamos tudo em reais.

As montadoras, embora tenham suas matrizes fora do país, também recebem em reais e reinvestem o valor em reais na aquisição de matéria prima ou pagamento de mão de obra. Porque então o dólar seria um fator preponderante para um preço tão elevado? Não faz lá muito sentido.

Mas o pior nem é isso, e sim a conversão “absoluta” que as pessoas costumam fazer. Por exemplo, se um Toyota Corola custa 17 mil dólares nos EUA, porque custa mais de 90 mil reais no Brasil e se a conversão – com preço de 3,8 – daria menos de 65 mil reais?

Na verdade, essa conta não é muito justa. Em primeiro lugar porque a variação do dólar acontece de forma diária, então ele não é utilizado como base pelas montadoras, já que o preço dos veículos demoram muito mais tempo para sofrerem reajustes.

Mas o mais importante – e que pouca gente chama a atenção – é a relação hora/trabalho para aquisição de um mesmo produto em países diferentes. Ou seja, quantas horas uma pessoa precisa trabalhar para pagar por esse veículo nos EUA e quantas são necessárias para o mesmo veículo no Brasil?

Numa conta muito sumária, meramente ilustrativa, o salário mínimo nos EUA é aproximadamente de 1.250 dólares, ou seja, 7,25 dólares por hora. Com essa renda, um trabalhador precisaria de 2.345 horas de trabalho para pagar o carro.

No Brasil o salário mínimo é de 998 reais, ou seja, 5,6 reais a hora. Com esse salário e o preço do carro praticado no mercado nacional seriam necessárias mais de 16.000 horas de trabalho para pagar o veículo.

No final das contas é isso que importa, o esforço que o trabalhador precisará empregar para pagar o seu carro, que nesta conta é quase 8x maior aqui no Brasil. Por isso dizemos que a mera conversão de moeda não é justa, pois o custo de vida em cada país é muito diferente.

Numa economia capitalista o lucro é sadio

Muito se fala também que as montadoras no Brasil mantém sua margem de lucro altíssima, e que isso também encarece o veículo para o consumidor final. Entretanto, será difícil dizer isso com toda propriedade, uma vez que as montadoras mantém essas informações trancadas a sete chaves (o que pode ser indício da veracidade dessa “suspeita”).

Mas o fato concreto é que vivemos numa sociedade capitalista, e o lucro não é somente bom para a sociedade, mas necessário. Sem o lucro toda a economia viria abaixo e seria uma tremenda miséria. Então, o fato das montadoras terem muito lucro não é absolutamente ruim.

Tanto mais que esse é um dos setores que mais investe em tecnologia, segurança, conforto e o aprimoramento geral do trabalho, seja na automatização de serviços muito pesados para o ser humano, seja para a maior velocidade na fabricação do produto. Então, quem está pagando pelo carro hoje, também está, de certa forma, pagando pelo desenvolvimento do carro de amanhã.

O problema não são os impostos, mas como eles são aplicados

Outro grande vilão apontado pela população são os altos impostos praticados pelo governo. De fato, são impostos muito altos se comparados com outras nações. No Brasil o imposto final tem média acima dos 50% enquanto que países vizinhos, como México e Argentina, praticam impostos bem menores, 16% e 22% respectivamente.

Mas o pior nem é a porcentagem de imposto e sim a sua distribuição. O imposto aqui no Brasil não leva em consideração a renda do consumidor, mas o valor do produto e sua origem (grosso modo). Ou seja, os impostos aqui são canalizados no consumo e não na renda.

O que acontece com isso é que as pessoas que ganham menos ficam extremamente sacrificadas. Para dar um exemplo, vamos imaginar uma pessoa que tenha como renda mensal 2 mil reais e outra com renda mensal de 20 mil reais. Quando essas duas pessoas vão comprar por exemplo um Ford Ka, a primeira para atender às necessidades de sua família e a segunda para presentear a filha que passou no vestibular, ambas pagarão os mesmos impostos sobre o produto.

Na prática, a que ganha menos pagou proporcionalmente 10x mais que a outra que ganha mais. Isso que acontece com automóveis também acontece com todos os outros produtos, desde o pão na padaria até a compra de uma casa. Essa forma de impostos diminui o poder de compra do consumidor das classes média e baixa, e facilita a ascensão contínua das classes mais favorecidas economicamente.

A mobilidade urbana não é uma prioridade: situação precária do transporte público

Resumindo, enquanto não houver uma reforma na política de aplicação de impostos – a qual, como está, enriquece os governos, pois é melhor muitos pagando pouco do que poucos pagando muito – a situação não apenas do setor automobilístico, mas de toda relação de consumo será tanto mais desfavorável quanto menor for a classe social.

Por outro lado, se os governantes realmente estivessem preocupados com o bem estar do cidadão, com a mobilidade pública que um veículo oferece, haveria uma atenção maior em relação ao sistema de transporte público – que, aliás, está cada vez menos público já que o cidadão paga um preço absurdo para utilizá-lo – e nesse caso o carro seria um luxo, e não uma necessidade como é hoje.

Fonte: Carro